Exercícios quaresmais.
Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Os exercícios quaresmais, na vivência litúrgica que a Igreja Católica oferece como preparação para a celebração da Páscoa do Senhor Jesus, o Salvador do mundo, são riquezas de um caminho que constituem uma das páginas insubstituíveis na qualificação da vida de todos. Esses exercícios trazem consequências e resultados mais fecundos na participação de cada pessoa na grande teia da cidadania, que cada um, em conjunto com outros, ajuda a tecer e manter. Exercícios que conquistam a saúde do corpo são indispensáveis, essa demanda gera na atualidade uma verdadeira indústria de serviços, que traz benefícios variados para além da questão estética, muitas vezes buscada de maneira superficial na velocidade efêmera da vida que passa. É preciso também o suporte e a articulação com o que tece e sustenta a interioridade, o que está na mente e no coração. Com o que eiva a constituição cerebral de cada um com entendimentos, sentimentos e vivências. Propriedades de alimentar as transmissões que ali se operam para garantir, além do bem estar, uma postura qualificada e madura diante da vida e na condução cotidiana.
Jesus inclui, ainda, na dinâmica desse exercício de qualificação da existência e do dom da vida, o jejum. Certamente parece obsoleta essa atitude, num tempo de tanta fartura, de desperdícios, contracenando com um mundo de pelo menos um bilhão de famintos. Jejuar é um exercício de correção de costumes e hábitos que nos levam a tratar o alimento com respeito, nos motiva a repartir nosso bocado com quem tem fome, superando a gula que despersonaliza e fomenta irracionalidades. É ainda um exercício que dá a temperança indispensável para não cairmos nos exageros da corrupção, dos apegos nascidos da voracidade que põem o indivíduo diante das coisas e dos bens.
Na riqueza das considerações possíveis das muitas vivências dos exercícios quaresmais há um verdadeiro tratado de ciência do bem viver e de qualificação da existência, que repercute na vida: a importante prática da oração. Essa indicação sábia de mestre a discípulos já foi pensada como hábito piegas.
Aberturas e interesses por milenares práticas meditativas são sinais de que a cultura ocidental precisa e pode revisitar os tesouros de sua herança cristã, de modo a entendê-la, como no dizer de um autor do século quarto: "a oração é a luz da alma". E adorná-la com modéstia e a luz resplandecente da justiça, temperando a conduta do orante com o sal do amor de Deus.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte